Na segunda metade do século passado, à sombra do trágico término da segunda guerra mundial, – a Civilização do Ocidente teve em Jean-Paul Sartre, o único filósofo capaz de restabelecê-la na esperança de um futuro ao alcance. Seu Existencialismo ganhou espaço destacado nos meios intelectuais e na mídia de todos os cantos do nosso mundo ocidental, para suplantar tudo aquilo que pusera como possibilidades para o homem concreto, desde os antigos gregos. Sartre começava sua trajetória de “ícone” soberano e “consciência crítica do século”, conforme se atestaria em termos nacionais e internacionais repetidamente.
Florianópolis, que aderira ao Movimento Modernista de 1922 com 26 anos de atraso; – em 1948 já levava Sartre ao palco do Teatro Álvaro de Carvalho, sob direção de Ody Fraga, do Grupo da Revista Sul. Em 1953, o Existencialismo chegou aos salões de carnaval, pela marchinha “Chiquita Bacana” , na interpretação de Emilhinha Borba. E assim aconteceu por toda parte, num momento em que não dispúnhamos de televisão e muito menos de internet. Desde Paris, a moda, o “look” e a esperança existencialistas lastravam como incêndio incontido pelos salões, pela vida social e intelectual; a matizar o cotidiano de maneira irrevogável, como ocorre até hoje. Depois de Sartre, nunca mais seremos os mesmos.
Essa popularização e encarnação do Existencialismo, surpreendente para o próprio filósofo, – entretanto, veio ao preço de uma certa superficialização que deixou a produção técnico-filosófica sartreana em penumbra indiscutivelmente danosa para o bem-estar humano. Ninguém ignora que ele existiu e continua inamovível. Mas, não conseguindo digeri-lo, cuidam de arquiva-lo como militante político da Resistência Francesa contra o nazismo, tão caro para Martin Heidegger e seus discípulos ou admiradores ainda hodiernos. Quando não isso, concedem-lhe o lugar de escritor que, ao fim das contas, deu-se a dignidade de recusar-se ao recebimento do Prêmio Nobel de Literatura. Tudo recebido ao amparo do princípio da reação acadêmica manipulista: – a Sartre somente o inevitável.
Os nossos meios universitários, avançados até os doutorados e pós-doutorados, desviam propositada e visivelmente da produção sartreana quando se voltam para as questões ontológicas, antropológicas, psicológicas e, sobre tudo, da filosofia da ciência: – são raras as rendições. Nem suspeitam, e não querem suspeitar por razões acadêmicas mesquinhas, que precisamente o filósofo a quem mumificam cotidianamente, deixou pronta a solução dos problemas com que se batem na errância da circularidade hermenêutica, caudatária sempre da mitologia e do alquimismo helênicos. Militância de militontos que tentam contornar o incontornável, feitos Sísifo depois de suas trapalhadas com os deuses.
O Sartre “ícone”, na verdade, consciência crítica da Civilização Ocidental toda, fez o seu lugar em nossa cultura e, hoje, muitos se ocupam dele, até por obrigação profissional. O Existencialismo que se fez moda, “look”, e tantas coisas em que o próprio filósofo não aceitou reconhecer-se, – já passou. O Sartre que nos cabe agora estudar, analisar, aproveitar e aplicar em favor do bem-estar humano em todas as direções disciplinares, – é aquele do “L´être et le néant” e da “Critique de la Raison Dialectique” (nos seus três volumes da edição francesa: incluso o de 1985), bem como, das outras obras técnicas que a essas remetem. Por fim: passagem e atenção ao Filósofo.
Pedro Bertolino